
Nos últimos tempos, a falta de corrente eléctrica tem sido um desafio para várias comunidades, sobretudo para aqueles que sonham em empreender ou iniciar negócios que dependem deste recurso, considerado um dos principais impulsionadores do desenvolvimento local.
No entanto, a electrificação das comunidades rurais, por meio do projecto Energia para Todos e de outras iniciativas promovidas pela Electricidade de Moçambique (EDM), tem transformado vidas em diferentes camadas sociais. A prática de pequenas actividades de industrialização, como o funcionamento de moageiras, tem contribuído para a empregabilidade de jovens, embora algumas comunidades ainda aguardem pelo cumprimento das promessas de electrificação.
Nesta matéria, baseamo-nos em quatro províncias, nomeadamente: Niassa, Nampula e Cabo Delgado, no norte do país, e Zambézia, no centro. O distrito de Alto-Molócuè, na província da Zambézia, é o ponto de partida, onde analisamos a electrificação rural e a gestão das expectativas em torno das novas ligações. Nesta localidade foi construída uma nova subestação, com a promessa de beneficiar mais de 10 milhões de moçambicanos até 2024, no âmbito do programa Energia para Todos.
O surgimento de novas indústrias em Alto Molocue

Na comunidade de Muichana, distrito de Alto-Molócuè, por exemplo, a chegada da energia eléctrica trouxe mudanças visíveis, como o surgimento de pequenas indústrias. Um exemplo é a moageira, que tem ajudado a população local, já que antes era necessário percorrer longas distâncias para moer os produtos.
“Antigamente sofríamos para moer os nossos produtos, porque tínhamos que ir até à vila. Mas agora, com a moageira aqui na comunidade, a situação mudou”, explicou Delta Elias, residente e mãe de três filhos. Ela acrescentou que, para os moradores que não conseguiam deslocar-se até à vila, a alternativa era usar moageiras tradicionais movidas a diesel, mas o produto saía misturado com combustível, provocando mau cheiro.
Para além das pequenas indústrias que ajudam a população a processar os seus produtos, o empreendedorismo também tem ganhado espaço entre os jovens desta comunidade. Silva Diniz, jovem empreendedor, contou os benefícios que obteve com a chegada da corrente eléctrica à sua zona.
“A energia trouxe coisas boas. Antes, uma pessoa precisava de cortar uma madeira de 30 centímetros ou mais com serrote manual, mas agora a energia ajuda muito, já conseguimos trabalhar com máquinas”.
Com a electrificação, também foi possível a instalação de algumas empresas na comunidade, criando novas oportunidades para jovens. Benício Eusébio afirma que o emprego que actualmente tem só foi possível graças à electrificação.
“A energia mudou muita coisa aqui. Foi uma das razões que me trouxeram para cá, através da empresa que se instalou depois da chegada da corrente eléctrica.”
Apesar dos benefícios, há quem destaque a necessidade de reduzir o custo da energia.“Estamos a pagar muito caro. Uma recarga de 500 meticais, com as máquinas que uso, não dura nem 15 dias. Isso é complicado, porque os meus lucros ficam baixos e ainda tenho de lidar com os clientes”, disse um dos residentes, que pediu às autoridades competentes a redução do preço ou o aumento da quantidade de kW fornecidos.
Para além de impulsionar pequenos negócios, como a venda de gelinhos, peixe, refrigerantes e outros produtos, a electrificação também contribuiu para a melhoria da segurança pública e para a geração de renda, sobretudo para os jovens que antes enfrentavam o desemprego e estavam mais vulneráveis à criminalidade.
Alguns moradores do distrito afirmam que, antes da instalação da corrente eléctrica, a criminalidade tomava conta da região, afectando tanto a população local como visitantes vindos de diferentes pontos do país.
“Aqui havia muita criminalidade. Muitos camionistas sofriam, por causa de alguns jovens daqui. Mas, com a chegada da energia e a montagem da rede, essa criminalidade diminuiu, porque algumas empresas deram oportunidade a jovens de trabalharem e ganharem o seu sustento honestamente”, afirmou Sarmento Munguanbe.

Lodovino Beleza – Director da EDM na Zambézia
Segundo o Director da EDM na província da Zambeézia, Lodovino Beleza, o plano da Electricidade de Moçambique na Zambézia para os próximos anos é ambicioso, aliás, o dirigente afirma que está previsto atingir 64% de cobertura nacional até 2030.
“Temos o grande desafio de, até 2030, 64% da população moçambicana consumir energia da rede nacional. É um processo gradual, não será feito num só dia. Existem zonas onde já há investimento, o que facilita a actividade, mas também há áreas distantes da rede nacional que ainda carecem de muito investimento”.
Lodovino, reconheceu ainda os obstáculos que dificultam o processo, como as más condições de acessibilidade e as calamidades naturais que o país enfrenta, factores que contribuem para a destruição de infra-estruturas e a morosidade nas ligações.
“Existem zonas urbanizadas onde tem sido difícil implantar Postos de Transformação (PT). Como tem acompanhado, de forma cíclica, o clima, sobretudo com intempéries, afecta bastante. Temos infra-estruturas que são erguidas, mas que, por força do vento ou de fenómenos naturais, ficam devastadas. Isso compromete o fornecimento e obriga-nos a fazer novos investimentos”, acrescentou.
Em zonas mais remotas, soluções alternativas, como painéis solares e fontes isoladas, estão a ser consideradas. Segundo o dirigente, enquanto a EDM se responsabiliza pelas ligações da corrente eléctrica à rede nacional, há entidades como o FUNAE que trabalham para garantir electrificação através de painéis solares em locais distantes da rede.
Há necessidade de reforçar a infra-estrutra eléctrica em Monapo

Depois do distrito de Alto-Molócuè, na província da Zambézia, seguimos para a província de Nampula, no distrito de Monapo, concretamente no posto administrativo de Carrapira. Neste posto administrativo, as comunidades mostram-se satisfeitas com a chegada da corrente eléctrica, mas o desafio da fraca capacidade deste recurso ainda persiste.
Maulano Euzébio, residente há mais de 30 anos naquela comunidade, afirma que, apesar da energia para todos ter ajudado bastante a população local, ainda há necessidade de aumentar a potência ou capacidade do fornecimento, visto que, em algumas vias públicas, os candeeiros instalados não funcionam adequadamente.
“Temos energia para todos, só que há uma parte que a EDM tinha que prever, por causa dos candeeiros nos postos. À noite há muita escuridão nas estradas, acontecem muitos crimes de roubo e até motos são frequentemente tomadas à força devido à falta de iluminação”.
A fonte acrescentou que, após a instalação da corrente eléctrica, a entidade competente deveria realizar manutenções recorrentes, de modo a garantir o bom funcionamento das infra-estruturas nas comunidades abrangidas.
Para além da manutenção rotineira, o aumento de equipamentos de transformação de energia, como os Postos de Transformação (PT’s), é visto como um dos mecanismos para ultrapassar o problema da baixa intensidade da corrente eléctrica no distrito. Nos bairros de Mutarawatane e Mancabaré, por exemplo, moradores pedem o reforço da rede com a instalação de novos PT’s.
“Se a EDM trouxesse mais um PT para reforçar a corrente que abastece a zona de Carrapira, seria melhor. Porque, se olharmos para esses bairros mais recônditos, a energia chega muito fraca mesmo. Não é tão forte como aqui no corredor”, afirmou Bonifácio César.
Tal como no distrito de Alto-Molócuè, na Zambézia, o distrito de Monapo também enfrentou momentos constrangedores de criminalidade. Contudo, com a chegada da corrente eléctrica às comunidades abrangidas, e segundo os depoimentos recolhidos, este cenário tende a diminuir. Este facto demonstra que a electrificação das zonas rurais e urbanas é um processo essencial para a vida das comunidades.
A população aguarda com expectativa a conclusão das obras de implantação da rede elétrica em Chimbunila

Depois da província de Nampula, a nossa equipa de reportagem deslocou-se à província do Niassa, concretamente ao bairro Sete de Abril, no distrito de Chimbunila, onde, actualmente, decorrem obras para a instalação da nova ligação da corrente eléctrica.
Neste ponto do distrito, mesmo sem a conclusão das ligações, a população afirma que a chegada da energia será um marco importante, não apenas para a iluminação, mas também para impulsionar iniciativas empreendedoras, sobretudo entre os jovens.
“Nós ainda estamos a aguardar. Acreditamos que, com a energia na nossa comunidade, iremos começar a desenvolver os nossos negócios. Agora não temos como iniciar, porque precisamos da energia para usarmos com os nossos equipamentos”, frisou António Luís, de aproximadamente 40 anos e residente local.
Tal como nas restantes comunidades visitadas pelanossa equipa, a expectativa em relação à implementação de pequenas infra-estruturas é grande também em Ximbunila.
O jovem Jaimito Cassimo de aproximadamente 25 anos de idade explica que, “nos últimos dias temos vivido com alguma dificuldade. Gostaríamos de colocar as nossas moagens para ajudar a comunidade, mas estamos à espera da conclusão das obras para ver se conseguimos implementar os nossos sonhos”, disse, acrescentando que, com a falta de emprego no país, os desafios enfrentados pelos jovens são enormes, e a luta para conseguir um trabalho, mesmo de baixa remuneração, continua a ser uma das maiores dificuldades.
Atrasos nos processos de ligação da rede elétrica em Cabo Delgado

Mesmo com os avanços significativos na expansão da corrente eléctrica, em alguns bairros da província de Cabo Delgado existem locais onde os postos foram instalados e os cabos lançados, mas a energia nunca chegou às comunidades locais. Esta situação tem gerado debate entre a população e diversos actores da sociedade civil.
Devido a este cenário, muitos moradores sentem-se abandonados e cobram respostas das autoridades responsáveis pela electrificação das comunidades onde os postos e cabos foram implantados, mas onde as ligações ainda não foram concluídas. Como explica Zainabo Gustavo.
“Até agora estamos a reclamar uma coisa, o assunto da energia. Esses homens de lá sempre passam, dizem que estão a instalar. Trouxeram fios, colocaram ali e deixaram. De 2024 até hoje não aparece nada.”
Sobre esta preocupação, o administrador do pelouro de Desenvolvimento da Electricidade de Moçambique (EDM), Luís Genje, reconhece que o processo de electrificação ainda é um desafio. A entidade tem a meta de ligar mais de 450 mil instalações de clientes num período de cinco anos, isto é, até 2030.
“Existem condições para tal. Com o apoio do Governo e de parceiros estamos a conseguir alcançar os financiamentos necessários para os projectos em curso. Neste momento, estamos a concluir a electrificação de postos administrativos e povoados. O desafio agora é ligar cerca de 450 mil clientes por ano até 2030, e esperamos conseguir.”
Mesmo com os atrasos nas obras de instalação das novas ligações, a esperança de conclusão ainda prevalece entre os moradores locais.

Apesar dos esforços empreendidos pela EDM na instalação de novas ligações, a vandalização das infra-estruturas tem representado um grande obstáculo, afectando negativamente os avanços.
“Infelizmente, o fenómeno da vandalização é uma realidade. É um mal que não desejávamos. Contamos com toda a sociedade no combate a este problema, porque tem levado a EDM a empreender esforços financeiros avultados para repor infra-estruturas já implantadas para servir os clientes. Consideramos isso um retrocesso,” – acrescentou, Luís Genje.
A fonte explica ainda que, devido aos prejuízos causados pela vandalização das infra-estruturas registadas por esta entidade, mais de 15 milhões de dólares foram utilizados para o efeito.
“Em termos de prejuízos, só no ano passado tivemos um investimento acima de 15 milhões de dólares para repor infra-estruturas danificadas. É muito dinheiro, que poderia ser aplicado em outras actividades.”
De referir que, em cada comunidade visitada pelanossa equipe de reportagem, foi possível compreender que a energia eléctrica é consideradacomo um símbolo de desenvolvimento e melhoria da vida da população.
Por: CAMANETE AGOSTINHO



























